Começou a falar e não parou. Se nada sabia, muito
fiquei a saber, e há muito para descobrir sobre este lugar tão falado.
-
Sabes, Piotr, "cada país possui uma estância balnear muito elegante, da
qual se orgulha particularmente. Para a população soviética, essa
região ficava na Península da Crimeia, um lugar fantástico onde os
sonhos se tornavam realidade. Visitar a Crimeia pelo menos uma vez na
vida era obrigatório para praticamente todas as pessoas do país. Como
Maiorca para os alemães ocidentais e Hiddensee para os alemães
orientais. Com o passar do tempo, a Crimeia tornou-se uma metrópole
independente, adornada com toda a espécie de lendas. Era o lugar onde o
sol brilhava sempre e em cujas praias as mulheres mais belas de todo o
país se passeavam dia e noite, escassamente vestidas. Os mais famosos
poetas, artistas, cientistas e generais russos procuraram lá inspiração -
e em vez dela encontraram uma casa com jardim e barco. Posteriormente,
as suas propriedades foram convertidas em museus. As casas de Tchekov,
Pushkin, Kutusov, Suvorov, Aivazovskii e outros contribuíam assim para a
oferta cultural da península.
(...)
A história pós-soviética do
país também deixou as suas marcas na região. Gorbachov, o primeiro
presidente russo, esteve preso em Faros, às mãos de militares
consipradores. E Ieltsin, o segundo presidente russo, gostava muito de
lá ir a banhos. Entre as atracções da Crimeira contam-se ainda: o maior
jardim zoológico do país, a maior queda de água, o maior campo de férias
dos pioneiros e a maior pintura da Rússia. Trata-se do quadro
panorâmico de F.J. Rubo, com mil seiscentos e dez metros quadrados: «A
Defesa da Cidade Sebastopol contra os Exércitos Inglês, Francês e
Turco.» Olhando para a imagem, pode concluir-se que desde sempre todos
os governos do mundo tiveram inveja desta pérola do Mar Negro e que já
no terceiro século antes de Cristo todos tentavam conquistar a
península. Até os genoveses e os mongóis se lançaram nessa aventura.
Na realidade, a Crimeia é uma região bastante sinistra. Como em
qualquer local turístico, a sua população é explorada pelos fanáticos da
recreação, e vice-versa. Ao longo de milénios, os habitantes da Crimeia
desenvolveram uma relação de amor e ódio para com os seus visitantes.
Odeiam os turistas porque eles destroem o equilíbrio ecológico da ilha e aterrorizam os nativos com as suas festas. Em fins de Agosto tudo
fica ainda pior: os jovens da região saem com armas brancas à caça de
turistas. Regressam quase sempre com belos despojos, pelo que passam a
gostar outra vez deles, dado que são a sua única fonte de prosperidade.
Devido a esta relação de amor e ódio, as pessoas chegam a alugar aos
visitantes aposentos em galinheiros por diárias de dez dólares, além de
lhes tentarem vender toalhas de mesa cosidas em casa, dizendo que é
artesanato regional. Mas o motivo principal da perversidade dos
habitantes da ilha é o facto de serem os únicos que não se podem
oferecer férias na Crimeia. Já lá vivem"
in, "Viagem a Trálala", de Wladimir Kaminer, 2002
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